Uma Viagem no Centro da Europa
De Itália com Boccherini, passando pela Áustria, Chéquia e Alemanha, terminando em Inglaterra. Percurso idêntico ao do compositor alemão, naturalizado britânico, G.F. Händel.
ELEMENTOS
Joana Valente | Mezzo-soprano
Nuno Mendes | Baixo
Reyes Gallardo | Violino
César Nogueira | Violino/viola
Trevor McTait | Viola
Filipe Quaresma | Violoncelo
José Fidalgo | Contrabaixo
Flávia Almeida Castro | Cravo/órgão
Pedro Castro | Oboé
Andreia Carvalho | Oboé
PROGRAMA
Luigi Boccherini (1743-1805)
Trio de cordas em Fá maior, op. 47 n.º 6 (c.8min)
1. Allegretto moderato assai
2. Allegro non tanto
Heinrich Biber (1644-1704)
Mensa Sonora, Parte III em Lá menor, C. 71 (c.10min)
1. Gagliarda (Allegro)
2. Sarabanda
3. Aria
4. Ciacona
5. Sonatina (Adagio)
Jan Dismas Zelenka (1679-1745)
Salve Regina, ZWV 139 (c.12min)
1. Salve, Regina
2. Ad te clamamus
3. Eia ergo
4. Et Jesum benedictum
Georg Druschetzky (1745-1819)
Quarteto em Sol menor para oboé, violino, viola e violoncelo (c.15min)
1. Adagio. Allegro
2. Andante
3. Allegro
Johann Christoph Bach (1642-1703)
Ach, daß ich Wassers gnug hätte (c.7min)
Georg Friedrich Händel (1685-1759)
Dueto: “Let rolling streams”, da Ode para o Aniversário da Rainha Ana (c.2min)
NOTAS DE PROGRAMA
Natural de Lucca, Itália, Luigi Boccherini (1743-1805) desenvolveu a sua actividade essencialmente em Espanha, durante quase quatro décadas, na segunda metade do século XVIII. Em Madrid, esteve ao serviço do Infante Luís, até à morte deste em 1785. Torna-se então director da orquestra privada da Duquesa de Benavente‑Osuna. Consegue ainda o apoio do rei da Prússia, Frederico Guilherme II, violoncelista amador que lhe encomenda partituras de música de câmara. Atingido pela instabilidade que se seguiu à Revolução Francesa, encontra um último protector em Lucien Bonaparte (irmão de Napoleão e embaixador francês em Madrid). A obra de Boccherini inclui sinfonias, concertos, música sacra e, particularmente, música de câmara — totalizando mais de 100 quintetos e quase 100 quartetos. É influenciado por Haydn mas também pela tradição do concerto barroco e da sinfonia, com a sensibilidade do “estilo galante” e o sentido melódico da ópera napolitana, enriquecido pelos ritmos de danças populares espanholas. O trio de cordas em programa data de 1793.
A música de Heinrich von Biber (1644-1704) é singular no aproveitamento de referências extramusicais, tanto na forma evocativa (p. ex. as Sonatas do Rosário), como em obras que imitam vozes de animais (Sonata Representativa) ou sons da guerra (Battaglia). Biber desenvolveu uma bem-sucedida carreira como violinista e compositor em Salzburgo. Em 1670 entrou ao serviço do Arcebispo Maximilian Gandolph von Khuenburg, e em 1679 foi nomeado Kapellmeister da corte. Expoente do Barroco no final do século XVII, a qualidade da sua vasta obra revela-se particularmente nas obras virtuosas que escreveu para o violino, sendo considerado o mais importante compositor deste instrumento no século XVII. A Mensa Sonora foi publicada pela primeira vez em 1680 e dedicada ao Arcebispo Gandolph von Khuenburg. O título significa “Mesa sonora” e trata-se de música destinada a acompanhar um jantar aristocrático, pelo que se apresenta com mais sobriedade do que outras peças mais célebres do compositor, destinadas a evidenciar o virtuosismo dos instrumentistas. A terceira parte da obra é escrita para dois violinos, viola e contínuo.
Músico boémio formado em Viena com Johann Joseph Fux, Jan Dismas Zelenka (1679-1745) serviu na prestigiada capela da corte de Dresden desde 1710 ou 11, primeiro como instrumentista (violone) e depois como compositor. A sua obra revela a assimilação de várias tradições musicais da época, incluindo a música italiana e a francesa, com alguma influência do estilo galante. Admirado por compositores como Bach e Telemann, foi-lhe reconhecido o domínio do contraponto e o respeito pelo conteúdo expressivo dos textos sacros, o que é notório na obra aqui apresentada: o Salve Regina, ZWV 139, para voz (baixo), dois oboés, dois violinos e contínuo, composto em 1724.
Natural da Boémia, Georg Druschetzky (1745-1819) destacou-se inicialmente como percussionista de tímpanos e também como oboísta. Estudou música em Dresden e, enquanto membro de uma banda militar, percorreu várias cidades da Hungria e da Áustria entre 1762 e 1775, trabalhando já como compositor nos últimos anos desse período. A sua obra manteve-se fortemente ligada aos instrumentos de sopro no período em que esteve ao serviço de diversos patronos, nas décadas seguintes, embora tenha escrito também numerosas sinfonias, concertos, quartetos de cordas e, particularmente, 16 quartetos para oboé, violino, viola e violoncelo. É um destes quartetos que aqui será interpretado: o Quarteto em Sol menor, precisamente aquele em que se encontra o motivo de quatro notas formado pelas letras do nome B-A-C-H (Si bemol, Lá, Dó, Si), um dos primeiros exemplos conhecidos do seu uso por um compositor que não o próprio Bach. É esse motivo que inicia o tema principal do segundo andamento do quarteto, “Andante”.
É com outro membro da mais notável família de músicos alemães que prossegue o programa. Johann Christoph Bach (1642-1703) pertenceu a um ramo diferente da família do mais famoso Bach, Johann Sebastian: o pai deste era primo direito de Johann Christoph. Nasceu em Arnstadt, filho de Heinrich Bach, e presume-se que tenha sido o membro mais notável da família antes de emergir o talento de Johann Sebastian. Tornou-se organista na capela do castelo de Arnstadt aos 20 anos, e pouco depois organista na igreja de São Jorge, em Eisenach, acumulando com o cargo de cravista na capela da corte do Duque de Eisenach. A sua obra foi muito apreciada pelos membros mais jovens da família, embora não seja muito vasta já que a sua actividade principal era a de instrumentista. As obras vocais destacam-se pela variedade de formatos, com numerosos motetes e concertos, como é exemplo o lamento Ach, daß ich Wassers gnug hätte, para alto, violino, violas e baixo contínuo (aqui desempenhado por violoncelo, contrabaixo e órgão). O texto é baseado em diversos excertos bíblicos: o Livro de Jeremias (capítulo 9), o Salmo 38 e o Livro das Lamentações (capítulo 1).
O concerto termina com um dos expoentes máximos do Barroco alemão e inglês, Georg Friedrich Händel (1685-1759). A Ode para o Aniversário da Rainha Ana é uma cantata secular escrita para a rainha da Grã-Bretanha, com libreto de Ambrose Philips. Data de 1713, um ano depois de Händel se fixar em Inglaterra, na mesma altura em que compõe a obra em maior escala Utrecht Te Deum and Jubilate, também para a rainha, em celebração pelo Tratado de Paz de Utrecht — e que lhe garantiu uma pensão vitalícia de 200 libras.
Fernando Pires de Lima
DADOS BIOGRÁFICOS
Orquestra Barroca Casa da Música formou-se em 2006 com a finalidade de interpretar a música barroca numa perspectiva historicamente informada. Para além do trabalho regular com o seu maestro titular, Laurence Cummings, a orquestra apresentou-se sob a direcção de Rinaldo Alessandrini, Alfredo Bernardini, Amandine Beyer, Fabio Biondi, Harry Christophers, Antonio Florio, Paul Hillier, Paul McCreesh, Riccardo Minasi, Hervé Niquet, Andrew Parrott, Rachel Podger, Christophe Rousset, Dmitri Sinkovsky, Andreas Staier e Masaaki Suzuki, na companhia de solistas como Andreas Staier, Roberta Invernizzi, Franco Fagioli, Peter Kooij, Dmitri Sinkovsky, Alina Ibragimova, Rachel Podger, Marie Lys, Iestyn Davies, Rowan Pierce, Andreas Scholl, Pieter Wispelwey e os agrupamentos The Sixteen, Coro Casa da Música e Coro Infantil Casa da Música.
Os concertos da Orquestra Barroca têm recebido a unânime aclamação da crítica nacional e internacional. Fez a estreia portuguesa da ópera Ottone de Händel e, em 2012, a estreia moderna da obra L’Ippolito de Francisco António de Almeida. Apresentou-se em digressão em Espanha (Festival de Música Antiga de Úbeda y Baeza e em Ourense), Inglaterra (Festival Handel de Londres), França (Ópera de Dijon e Festivais Barrocos de Sablé e de Ambronay), Alemanha (BASF em Ludwigshafen am Rhein), Áustria (Konzerthaus de Viena) e China (Conservatório de Música da China em Pequim), além de concertos em várias cidades portuguesas – incluindo os festivais Braga Barroca e Noites de Queluz. Ao lado do Coro Casa da Música, interpretou Cantatas de Natal, a Missa em Si menor e as Oratórias de Páscoa, de Ascensão e de Natal de Bach, Te Deum e Missa Assumpta est Maria de Charpentier, o Messias de Händel e as Vésperas de Santo Inácio de Domenico Zipoli. Em 2015 estreou-se no Palau de la Musica em Barcelona, conquistando elogios entusiasmados da crítica. Ainda no mesmo ano, mereceu destaque a integral dos Concertos Brandeburgueses sob a direcção de Laurence Cummings. Tem tocado regularmente com o cravista de renome internacional Andreas Staier, com quem gravou o disco À Portuguesa (Harmonia Mundi, 2018), que incluiu dois concertos de Carlos Seixas e foi apresentado em actuações no Porto e em digressão — Ópera de Dijon, BASF em Ludwigshafen am Rhein, Konzerthaus de Viena e Noites de Queluz em Sintra. Nas últimas temporadas, interpretou os Stabat Mater de Pergolesi e de Vivaldi, as Vésperas de Monteverdi e excertos da Arte da Fuga de Bach.
No repertório a apresentar em 2022, destacam-se os Stabat Mater de Alessandro Scarlatti e Charpentier, a Missa de Santa Cecília de Haydn e a Ode para o Dia de Santa Cecília de Händel, além de música concertante que dá protagonismo aos solistas da Orquestra. Entre as figuras de relevo internacional com quem colabora destacam-se o prestigiado maestro e cravista alemão Andreas Staier, que regressa em duas ocasiões, o virtuoso violinista Ilya Gringolts, que interpreta um Concerto para violino de Locatelli, e as vozes premiadas de Rowan Pierce, Fernando Guimarães ou Anna Dennis.
A Orquestra Barroca Casa da Música editou em CD gravações ao vivo de obras de Avison, D. Scarlatti, Carlos Seixas, Avondano, Vivaldi, Bach, Muffat, Händel e Haydn, sob a direcção de alguns dos mais prestigiados maestros da actualidade internacional.